A revolução das flores

a revolucao das flores           Era uma cidade cinza, e como quase todas as cidades cinzas, era uma cidade sem cores, sem flores, nem amores. E como todas as cidades cinzas sem flores nem amores, era uma cidade triste e feia.

Não havia árvores e o mato crescia feito erva daninha.

As quadras eram dominadas pelo abandono. O mato cobria a trave, impedindo o sonho do craque mirim de se realizar.

As praças eram escuras e sem flores. E como não tinham flores nem luz, também não tinham amantes e não inspiravam paixões.

Os muros eram todos pichados. Não de um jeito artístico, mas por aqueles que usam

o pincel como expressão de violência.

E como a praça era escura a luz do amor não dava as caras.

E como o mato crescia flor não nascia.

E como a trave estava encoberta pelo mato ninguém fazia gol.

E como não se fazia gol ninguém comemorava.

E como as paredes eram pichadas ninguém derrubava o muro da feiura.

E o cinza derrotou o amarelo. O piche derrotou a arte. O breu derrotou a luz. O mato derrotou a flor.

Até que um dia uma pessoa resolveu apagar a pichação do muro da sua casa, pintando uma flor amarela no lugar.

– Idiota, responderam todos. Utopia vã, tudo estará desfeito pela manhã.

E na manhã seguinte o piche preto cobriu o amarelo de sua flor.

E então ele foi lá e pintou uma flor amarela, agora com vívidas folhas verdes.

Gargalharam de sua sina inútil.

No alvorecer seguinte, novo acinte.

Foi lá e pintou de novo uma flor amarela com folhas verdes e agora também um céu azul.

No dia seguinte não houve pichação, e nem nos dias que se seguiram.

E então alguém na rua de cima resolveu pintar um girassol em outro muro.

Outro teve ideia melhor, e plantou margaridas na beira da calçada.

Outro foi e plantou begônias.

O pai do craque mirim tirou o mato e pintou as linhas da quadra.

Casais de amantes se uniram e plantaram flores na praça. Alguns namorados levaram velas para iluminar uma serenata. E a luz do luar lentamente foi derrotando o breu do abandono.

Pichadores resolveram usar as cores como expressão de arte.

E então a cidade explodiu numa profusão nunca antes vista de cores, flores e amores. E o cinza foi derrotado, não apenas pelo amarelo, mas pelo lilás, pelo azul, pelo bege, pelo branco e até mesmo pelo furta-cor.

E a luz venceu o medo.

E a música venceu a feiura.

E a flor venceu o silêncio.

É porque detrás daqueles muros pichados daquela cidade cinza havia uma cidade linda e cheia de flores coloridas, adormecida no peito de cada um.

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