passaporte

Hasta la vista

Achei curiosa a explicação de um amigo por ser (quase) fluente em espanhol, mesmo sem nunca ter estudado o idioma:

– É que morei um tempo nos EUA.

Até onde consta a língua oficial dos Estados Unidos é o inglês, mas não exatamente, se você mora em regiões “latinas” do país, como a Florida ou a Califórnia.

Há boas razões para essa latinidade, que vão além do sol abundante e dos parques da Disney. É que essas regiões concentram uma grande quantidade de imigrantes da América, como cubanos, mexicanos, argentinos e brasileiros.

Calcula-se que 1,3 milhão de brasileiros vivam nos Estados Unidos, população maior do que a de muitas capitais do país. Se somarmos os brasileiros que vivem em outros cantos, como Ásia, Europa ou no restante da América, essa cifra daria um outro país: são mais de 3 milhões de conterrâneos. É como se houvesse um outro Brasil pulverizado pelos diversos países do globo.

Essa imagem de um Brasil espalhado pelo mundo já andava meio esquecida desde que nos deslumbramos com o vislumbre de uma economia pujante, inflação domada, uma classe média em ascensão e o invejado carimbo de “BRIC” no meio da testa.

A realidade, nua e crua, é que nunca batemos o bolão que o mundo pensava que batêssemos, nem tampouco somos o vira latas pulguento que pensamos que somos atualmente. Nem tanto lá, nem tanto cá.

Mas eis que leio uma matéria sobre o resultado de uma pesquisa feita em todo o país, que mostra que 62% dos jovens brasileiros (16 a 24 anos) deixaria o país se pudessem. Os números são mais expressivos nos segmentos mais jovens, mais ricos e mais escolarizados da população. No cômputo geral, o Brasil perderia setenta milhões de pessoas, se valesse a intenção retratada pela pesquisa.

Fluxos migratórios tendem a seguir uma lógica econômica: quando a economia vai bem, atraímos imigrantes, quando a economia entra em depressão tendemos a perder cidadãos.

O resultado da pesquisa é sintomático do Brasil atual. Pior do que perder o emprego ou perder o sono é perder a esperança. Sob circunstâncias normais, a maioria das pessoas não deseja abandonar o próprio país, porque essa é uma empreitada com um custo alto, não apenas financeiro, mas social e cultural: afastamento dos familiares, o estranhamento de viver em uma cultura diferente da sua, na qual com alguma frequência você se sente um intruso não exatamente bem-vindo, sobretudo quando se imigra para um país que ocupa uma “hierarquia” econômica e civilizatória melhor do que o país de origem, que é o caso de 99% das pessoas que emigram.

Não faz muito tempo o mundo se chocou com a foto de uma criança síria encontrada morta numa praia da Turquia, com a face inerte afundada na areia, após o naufrágio da embarcação na qual sua família tentava cruzar mares e chegar à Europa. Apenas um dos capítulos da crise humanitária que atinge a Síria. Uma guerra que explode vidas, prédios e sonhos. Se eu vivesse todos os dias sob o risco de ver meus filhos bombardeados à luz do dia, talvez decidisse enfrentar as turbulências de uma vida de expatriado, nem que fosse para lavar banheiros, vender quinquilharias chinesas na rua ou o que quer que garantisse o mais básico dos direitos da minha família que é o de permanecer vivo.

A crise de desesperança do Brasil é de outro matiz, moral, econômico. Mas na essência carrega os mesmos elementos tristes de todas as outras crises: a destruição da esperança, a falta de perspectivas e a renúncia às próprias raízes.

Ainda acho que existe saída, e não falo exatamente do portão de embarque de Guarulhos. Às vezes, no fundo do poço, precisamos olhar pra cima e ver que ainda existe sol, estrelas e um firmamento sobre nossas cabeças.

É preciso ver também o quanto ajudamos a cavar os buracos que nos trouxeram até aqui. Por que acreditamos em políticos idiotas e moralmente tortos? Porque preferimos sempre o sedutor canto da sereia das soluções fáceis? Por que adoramos o “jeitinho” e o atalho? Que visão temos para o Brasil daqui a 50 anos? Porque estamos onde estamos? Porque não conseguimos transformar potencial em realidade?

É provável que as soluções sejam mais complexas, onerosas e doídas do que desejaríamos. Mas elas existem e não serão canadenses, americanos ou japoneses que as executarão por nós.

Construir uma nação dá um trabalho danado, individual e coletivo e não dá para terceirizar essa tarefa. Começa por uma Revolução na Educação, algo que está sempre presente nos discursos, mas sempre ausente das práticas.

Caso contrário, é melhor se acostumar com os nossos cíclicos voos de galinha ou então ir fritar hambúrgueres em solo estrangeiro.

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