Levantando do berço esplêndido

1001067_647514465276680_1641789283_nO Brasil assistiu, estupefato, a uma das maiores manifestações populares já ocorridas na história recente do país.

(Claro que foram inadmissíveis tanto os atos de vandalismo de alguns manifestantes radicais quanto a violência de policiais despreparados. Quero crer que são minoria isolada e não representam o comportamento padrão de seus pares.)

E ao contrário do movimento pelo impeachment do ex-Presidente Collor, desta vez não houve uma minissérie global para impulsionar (ou teleguiar) os sentimentos populares, nem uma crise econômica aguda para ceifar milhões de empregos. Teoricamente, a despeito de alguns revezes econômicos pontuais, vivemos uma das maiores bonanças de nossa história, com inflação (ainda) controlada, pleno emprego (ou quase isso) e uma Presidente com altíssimos índices de aprovação.

Temos até a Copa das Confederações, aperitivo do maior evento esportivo que está por vir. Então, o que houve? O povo reclamando de barriga e arquibancadas cheias?

Na década de 70, o economista Edmar Bacha cunhou o termo Belíndia, para designar o que seria o Brasil da época em termos de riqueza e distribuição de renda: uma pequena e rica Bélgica, rodeada de uma imensa e miserável Índia. Era o retrato perfeito para um país injusto e desigual, mais do que pobre.

Poucos fatos foram tão largamente divulgados na história recente do país, e com tanta repercussão internacional, quanto o crescimento da chamada “nova classe média brasileira”.

Nunca se vendeu tantos carros, motos, móveis, geladeiras e televisões. E o Brasil passou a ser um dos queridinhos da mídia internacional e dos investidores mundiais, propagandeado como a nova terra prometida.

Mas parece que há algo de podre no reino da Dilmonarca.

O nível educacional brasileiro melhorou no aspecto quantitativo (acesso a escola e número de matrículas), mas no aspecto qualitativo é difícil nomeá-lo com qualquer coisa melhor do que “vergonhoso”. Somos sempre um dos últimos colocados em testes internacionais de aptidão para escrita, ciência ou matemática. E sem Educação de qualidade seremos condenados a exercer um papel secundário na economia digital do futuro. Exportaremos soja, petróleo e milho, e importaremos softwares, computadores, máquinas e carros. O futuro é da informação e da inteligência.

Agora temos televisores com tela de cristal líquido e lustrosos sofás de estampa duvidosa no centro da sala, mas serviços públicos pra lá de deficientes. Uma moto na garagem, mas com medo de perdê-la (junto com a vida) num assalto. Um tênis novo (Made in China, claro), que usamos para amassar o barro de nossas ruas esburacadas. Crianças com cadernos novos e mochilas coloridas, mas que não sabem interpretar um texto. Somos uma nação um pouco menos injusta e desigual, mas estamos longe de ser o modelo de país que queremos.

Conseguimos fazer crescer a nossa porção Bélgica, mas não temos como fechar os olhos para a imensa Índia que ainda nos rodeia.

E sem perceber, por trás da euforia acéfala e do conformismo aparente, a insatisfação crescia, explodindo num brado retumbante, que tirou os jovens do Facebook para compartilhar as ruas e curtir os sonhos de um Brasil melhor. Centenas de milhares de brasileiros, empunhando bandeiras, cartazes e às vezes flores (pra não dizer que não falei delas), sem líderes nem partidos, mostrando a indignação de uma geração que não se sente representada.

Não é pelos 20 centavos, é pelos trilhões em impostos. Não é só pelos estádios bilionários, é pelos hospitais sucateados. Não é para tomar o congresso, é para o congresso tomar vergonha na cara. Não é só pelos ônibus, é pela falta de um veículo que nos transporte a um futuro melhor. Não é por nada, é por tudo: saúde, educação, impunidade, excesso de violência, escassez de decência.

Até que demorou, mas o povo cansou do pão amanhecido e do circo de horrores.

Enfim, parece que começamos a levantar do berço esplêndido. Agora só falta ir à luta, porque o exercício de construção de um país melhor é muito mais longo, complexo e penoso do que uma louvável e isolada manifestação supõe. Talvez tudo isso ainda seja muito pouco, mas já terá sido um grande começo.

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