Narcisos

narciso

Eu me amo, eu me amo,

não posso mais viver sem mim…

 

Três décadas se passaram desde que os debochados roqueiros do Ultraje a Rigor fizeram reverberar pelas FM’s do país o conhecido refrão, mas seu conteúdo nunca soou tão atual.

Vivemos a epidemia do selfie, do culto ao corpo, da auto propaganda, da apologia deslavada ao Eu. Munidos de nossos potentes smartphones com câmeras frontais (pra que uma câmera frontal se não para saciar o vício de nós mesmos?), propagando ao mundo uma felicidade fugaz fabricada com filtros retrô do Photoshop.

Vazios de conteúdo e carentes de aprovação social, estamos nos tornando viciados em curtidas, como ratos de laboratório a espera de mais uma dose de ração.

Uma pesquisa realizada com estudantes e publicada no periódico Social Psychological and Personality Science mostrou um alarmante crescimento nos casos de personalidade narcisística nos últimos anos. Não é a toa que a nova geração foi apelidada, nos EUA, de MeMeMe (mi mi mi, ou eu eu eu), em alusão a esse comportamento mimado, típico de jovens auto centrados, incapazes de lidar com as frustrações inerentes à vida.

É claro que precisamos de alguma dose de amor próprio. Até Jesus recomendou que amássemos ao próximo como a nós mesmos. Mas amor próprio é algo bastante diferente de Narcisismo, uma espécie de paixão egoísta por si mesmo.

O termo remonta à Mitologia Grega. Diz a lenda que Narciso, filho da Ninfa Liriope e do Deus Cephisus, era um jovem de beleza tão extrema que apaixonava a todos que o viam. Entretanto, não era capaz de amar, pois acreditava que ninguém estava à altura da sua perfeição.

Sua beleza, seu fim.

Um dia, caminhando num bosque, descansa a beira de um lago e contempla o seu reflexo. Apaixonado pela própria imagem, tenta agarrar a si mesmo e desaparece nas profundezas das águas para todo o sempre.

Não é a toa que o radical de Narciso na Grécia antiga é Narke, que significa Entorpecimento e deu origem não apenas à palavra Narciso, mas também a Narcótico.

A vaidade cega. É preciso compreender que a beleza do mundo está mais na profusão das diferenças do que na apreensão dos reflexos.

Contra o pedestal da beleza a marcha implacável do tempo: Cronos traz a inexorável decadência da carne, a derrocada do corpo.

Nessas horas, o espelho reflete apenas a solidão do encontro com nosso verdadeiro eu, afogado nas profundezas das águas que um dia nos iludiram e hoje apenas nos devoram, impiedosas.

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