O compacto

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A relíquia se perdeu, ou se encontra em algum baú escondido na casa da minha mãe, mas ainda lembro com nitidez a minha grafia torta em caneta Bic azul bem no meio da circunferência: 02-12-82.

Presente de amigo invisível da turma da quarta série, dado por um colega que não lembro mais o nome, só lembro que dividiu comigo (uma vez no tapa) a tentativa de conquistar o amor da menina mais bonita da classe, que ostentava um par de olhos hipnotizantemente azuis, e que no final das contas (e de todo o ano letivo) não deu bola pra mim nem pra ele.

Onde eu estava mesmo? Ah sim, o presente de amigo invisível.

Se você tem menos de trinta anos, talvez nem vá entender o que vou escrever, mas era um compacto. Compacto era uma versão mais curta de um LP. LP (abreviação de Long Play) era uma espécie de disco antes da invenção do cd (antes de ser substituído pelo MP3, pelo pendrive, pela nuvem, pelo Spotify e depois pelos Pokemons), e continha apenas uma faixa (música) de cada lado. Isso mesmo, de cada lado, porque os compactos, assim como os LP’s, possuíam dois lados, o A e o B.

A música era o hit daquele verão: “Você não soube me amar”, da Blitz.

Confesso que, do alto dos meus mais de 10 anos de vida, achei a música um bocado infantil. Uns diálogos cantados e um quê de nonsense. Ok, você venceu, batata frita !

Mas logo ficou claro que estava em curso uma pequena revolução naquele Brasil ainda sufocado pela ditadura. Um misto de performance teatral, escracho, descompromisso político, humor carioca de praia e atitude pop abrindo a porteira fluorescente para o que então viria a se chamar de geração 80 do rock nacional, chacoalhando a mesmice proto cabeçóide dos grandes caciques da MPB e  herdeiros da Tropicalia que dominavam as rádios brasileiras.

Era na maioria dos casos uma imensa tolice juvenil, mas era divertido e fazia todo o sentido. E foi minha iniciação no prazer da música. Por causa dessas “bobagens” acabei conhecendo melhor Led Zeppelin, Beatles, Queen, Police, Mutantes, João Gilberto, Tom Jobim e até mesmo os grandes caciques da MPB.

Mais ou menos como ler Dostoievski pelas mãos de Paulo Coelho.

Vai fazer 34 anos que ganhei aquele compacto, e penso que talvez minha vida tivesse sido um pouco diferente sem aquele presente de amigo invisível. Talvez eu hoje curtisse Wesley Safadão, forró universitário, ou nem gostasse de música, o que considerando as duas opções antecedentes, seria menos trágico.

Os anos 80, apesar de todo o blábláblá e tititi, foi realmente uma época que eu soube amar.

E um dia ainda acharei o histórico compacto.

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