Sobre mudar o mundo

“Pois aquele garoto, que iria mudar o mundo. Agora assiste a tudo, de cima do muro”.

Cazuza

Tiananmen square

Faz 25 anos.

Quatro de Junho de 1989. Praça de Tianammen em Pequim na China. Uma multidão de manifestantes, a maioria jovens, protesta por reformas democráticas no partido comunista chinês, pedindo mais transparência e menos corrupção, no que logo viria a entrar para a posteridade como o Massacre da Praça Celestial, após o governo ordenar que o exército Popular da Libertação utilizasse a força para reprimir o movimento, resultando em milhares de mortos e feridos.

O episódio celebrizou uma das cenas mais icônicas do século vinte: a de um cidadão tentando barrar sozinho a coluna de tanques de guerra perfilados para reprimir o movimento. A imagem correu o mundo, mas jamais se conseguiu identificar o paradeiro ou a identidade do destemido rapaz.

Apesar disso, recentemente o jornal The New York Times conseguiu desvendar o paradeiro de outros dois personagens importantes daqueles turbulentos dias: um deles é Wang Dan, incluído na lista negra do governo chinês da época por criar um movimento estudantil autônomo para protestar por reformas. Atualmente é professor universitário em Taiwan.

O outro é Xiao Jianhua, líder do sindicato (oficial) de estudantes da Universidade de Pequim à época. Ao contrário de seu colega rebelde, Xiao se alinhou ao governo, inclusive tentando demover seus companheiros da ideia dos protestos.

Atualmente, comanda um império empresarial que se espalha pelos ramos de mineração, construção civil, cimento, investimentos imobiliários e finanças, setores com forte influência estatal na China. Transformou-se num dos homens mais ricos do país, com uma fortuna pessoal estimada em mais de dois bilhões de dólares.

Destino muito diferente, portanto, de seu rebelde companheiro de universidade.

Em que ponto as pessoas desistem de mudar o mundo em favor de mudar a própria vida? Mudar o mundo ainda é uma utopia viável?

Seria o pragmatismo uma muleta semântica para justificar a renúncia do sonho em nome do “possível”?

Lembro de um trecho do documentário “Entre atos”, que mostra os bastidores da primeira eleição vitoriosa do ex-presidente Lula, quando no jato que o levaria a mais um comício ele confessa ao seu interlocutor, numa lição de pragmatismo desconcertante, que a aliança com lideranças políticas das quais o PT sempre defenestrou era apenas um pequeno preço a pagar em prol de um projeto maior de governo.

Episódio ainda mais prosaico ocorreu em São Paulo, no dia da abertura da Copa, quando um pai viu pela televisão o próprio filho adolescente participando de um protesto violento na zona leste da cidade, e resolveu ir à manifestação para tira-lo à força:

pai tira filho protesto– Eu tou no meu direito pai.

– Você vai ter o seu direito quando trabalhar e ganhar o próprio dinheiro. Escuta o seu pai…

– Eu quero escola melhor.

– Não é você que vai mudar o mundo, meu filho.

– Mas eu tento, deixa eu fazer a minha parte.

– Vamos pra casa, por favor. Eu te amo cara, não quero que você se machuque.

– Eu também te amo pai.

E então se foram, o pai gordo e careca e o filho magricela e cheio de espinhas, abraçados, desviando de pedras, bombas de gás e balas de borracha que atiravam black blocs encapuzados e policiais militares fardados, cada um ao seu modo, lutando pelo mundo que acham melhor ou simplesmente pelo pão de cada dia.

Comentários no Facebook