(…)
Trinta e sete.
Quarenta e oito.
Quinze.
Setenta e um.
Catorze.
-Aqui, eu ! Vertical !
Cinquenta e nove.
Sessenta e cinco.
Oito.
Quinze minutos e sei lá quantas pedras depois lá estava eu, “na boa”, esperando o derradeiro “trinta e um” que me renderia as glórias do prêmio principal da cartela cheia.
E ele não tardou a vir.
Trinta e um.
-Eu! Gritamos eufóricos.
“Gritamos”?
Sim, gritamos, porque um infeliz da fila de trás resolveu ganhar junto comigo. Alegria de pobre é assim mesmo.
Foi quando eu dei uma olhada no prêmio: um bolo pseudo-oval com uma cobertura branca de glacê (ou seja lá o que fosse aquele creme branco), que tinha uma cara de estar tão absurdamente doce, que tive a certeza de ter contraído diabetes terminal pelo simples fato de ter olhado para aquele templo disforme em homenagem ao Deus-Açúcar.
Meus pelos corporais se eriçaram ao me imaginar comendo o famigerado bolo, e temi pela infelicidade de ter que levar aquele depósito calórico para casa.
Segundo as regras da quermesse bingueira, o desempate se daria por meio da retirada de pedras pelos contendores.
Saquei a primeira pedra com todas as moléculas do meu corpo escangalhado implorando por um número diminuto (existe zero no bingo?).
Para meu mais completo desespero peguei o número 83. Infelizmente as chances de eu levar pra casa aquele depósito descomunal de açúcar haviam aumentado fetozmente. Havia no saquinho 82 chances de eu levar o bolo e apenas 17 de eu ‘ganhar’ a perda do bolo.
Meu incauto adversário enfiou a mão na sacola e sacou um improvável oitenta e quatro, para glória e redenção da minha integridade fisica.
Sorte e azar são facetas da mesma moeda, e conceitos um tanto relativos, concluí, em minha derradeira sessão de filosofia barata naquela noite fria.
Voltei pra casa de mãos vazias, cinco reais mais pobre, mas feliz da vida e tão magro na saída quanto estava na entrada.
Bingo!