Chapeuzinho Vermelho caminhava saltitante pelo bosque de plátanos e araucárias, carregando a cesta de vime com biscoitos e guloseimas que sua mãe fizera para a avó. Tudo cuidadosamente preparado com cereais integrais e sem glúten, pois a vó era natureba convicta.
Acontece que Chapeuzinho, desobedecendo sua mãe, ficou flanando perigosamente pela floresta, colhendo uns cogumelos estranhos que encontrou pelo caminho e tentando achar sinal de internet para postar selfies silvestres no Facebook.
Enquanto isso, sorrateiro como ele só, o lobo mau correu para a casa da vovozinha, assim poderia comê-la e ter a netinha de sobremesa depois.
Toc, toc, toc.
– Quem é?
– Sou eu vovó, sua netinha… rosnou o lobo, tentando simular, sem muito sucesso, a fina e taquárea voz da Chapeuzinho Vermelho.
Quando a vovozinha abriu a porta, o lobo mau foi logo gritando, com uma voz empostada para parecer mais selvagem e ameaçador:
– Sou o lobo mau e vim te comeeeeeeer!
– Ual, que lobo mais assanhado…
E então o lobo pulou em cima da pobre vovozinha, que defendeu-se ligeira com uma joelhada frontal impiedosa, derrubando o animal no chão.
– Que fúria é essa vovozinha? Ta fazendo academia da melhor idade?
– Não, é muai thay mesmo, boxe tailandês…
– Quase me partiu ao meio…
– Desculpe, não queria machucá-lo, sente aqui que vou pegar um pouco de gelo. Você está sumido da floresta, o que tem havido?
– Ando meio deprimido, essa floresta escura é tão opressiva que às vezes me dá um aperto no peito…
– Já procurou um terapeuta holístico?
– Tentei florais de Bach, mas não adiantou. Meu psicólogo desconfia que seja síndrome do pânico.
– Puxa, quem diria, o temido lobo mau…
– Lobo down.
– Não fique assim, o choro não lhe cai bem. Coma esse bife. É Frifrango.
Toc, toc, toc.
– Oi vó, sou eu, Chapeuzinho Vermelho.
– Entre minha neta.
– Vim trazer esta cesta de biscoitos e doces que a mamãe mandou.
– Que delicia, ponha aqui na mesa.
– O wifi está ligado vovó?
– Sim. A senha é wildladies.
– Ué… quem é você?
– Sou o lobo mau.
– Lobo mau? E esse narizinho arrebitado e tão pequeno?
– Fiz cirurgia plástica para tentar vaga num reality show.
– E esses braços lisinhos e sem pelos?
– Depilação a laser.
– E essas pernas marombadas?
– Quadríceps e leg 45, três vezes por semana.
– Ual. Um lobo metrossexual…
– E você chapeuzinho, porque esta toda de preto? Virou emo?
– Que apanhar? Sou gótica.
– Maneiro… Bom gente, vou indo.
Foi quando a avó interveio:
– Fica um pouco mais lobo, vai ter bolo. Desistiu de me devorar? (mal ocultando o semblante de decepção)
– Preciso tomar meu antidepressivo e gosto de chegar em casa antes do anoitecer. Sabe como pode ser perigosa essa floresta.
– Volte outras vezes. Prometo ser mais carinhosa da próxima.
– Espero.
– Não vá se perder, hein?
– Não me perco. O GPS do celular fica sempre ligado.
– Tchau.
E a vovó devorou a cesta inteira de biscoitos e guloseimas, que era o que lhe restava fazer naquele fim de tarde gelado no meio daquela floresta escura e solitária.