Farofas

farofas de icaEstava saindo da estrada e não consegui entender o que aquele bando de gente fazia agachada nos canteiros da rotatória, num final de tarde de uma quarta feira abafada. Reduzi a velocidade, passei bem perto e a verdade se revelou, cristalina:

Estavam coletando içás, aqueles insetos que o folclore diz que as pessoas usam pra fazer uma farofa deliciosa. Farofa de içás.

É que agora o hábito esdrúxulo ganhou ares sofisticados, depois que alguns chefes de cozinha famosos introduziram o item no seu cardápio de experimentações, e esse gosto bizarro ganhou ares de iguaria. Dizem que o litro do bichinho é cotado a R$80!

Toda cultura tem suas esquisitices.

Os chineses comem escorpiões no espetinho.

Os franceses, reis da alta gastronomia, cozinham caramujos e assam pombos.

Alguns coreanos comem polvos vivos, mesmo com o risco das ventosas dos tentáculos se fixarem na garganta e matarem por asfixia o sujeito.

Na maioria dos casos são as barreiras culturais que determinam o que é normal e o que é “esquisito”. O que faz com que comer codorna seja mais aceitável do que comer pombos?

Quase todos os frutos do mar são pra lá de esquisitos, mas a gente acha sofisticado devorá-los. Preste atenção na aparência de um camarão ou uma lagosta. Parecem monstros pré históricos. Mariscos, ostras e outros moluscos também não possuem visual muito apetitoso. Mesmo assim, caio de joelhos por uma autêntica paella de frutos do mar.

Comer coração de galinha num espeto também não parece um hábito muito civilizado.

Conheci uns chilenos que numa visita ao Brasil experimentaram guaraná e farofa e enlouqueceram. Comiam farofa e guaraná todos os dias, e no aeroporto choraram mais de saudades da farofa do que dos anfitriões que os receberam! Mas sentiram repulsa assim que viram o visual de nosso mais famoso prato, a feijoada. Aquela sopa negra de feijões repletas de pedaços suínos não soa mesmo atraente a primeira vista. Cultura de cada lugar.

O mais famoso e consumido dos refrigerantes também não goza das melhores credenciais visuais, embora já estejamos doutrinados desde crianças a venerar aquela garrafinha de formas sensuais. De cor escura, com gosto que se assemelha a um xarope (o que faz todo sentido, porque foi concebido pra ser mesmo um xarope), adocicado, cheio de gás e levando na fórmula ingredientes tão diversos quanto extrato de noz de cola, corante de caramelo e até mesmo um acidulante INS338 (o que seria isso?). Diz a lenda que leva coca, por isso viciaria. Se não matar a sede mata o sedento. Mas quem não se mata por uma geladinha num dia de calor escaldante?

Seja como for, mesmo com plena consciência da necessidade de abrir a cabeça para novas abordagens gastronômicas, comer farofa de içás permanece para mim um mistério insondável.

Abro a cabeça, mas a boca jamais.

– Vai um coração de galinha no espeto?

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