New

Paul-McCartney_New

Acabei de ouvir o já não tão novo álbum “New”, do velho e bom Paul McCartney.

A mesma voz, a mesma banda impecável e as belas melodias cantaloráveis de sempre.

Mas nada que nem de perto se compare aos clássicos produzidos meio século antes com o quarteto fabuloso que conquistou o mundo. Importa pouco aqui se você gosta ou não de Beatles (eu mesmo já não sei se gosto tanto quanto já gostei). A menos que você seja fã de alguma variante muito tosca do que hoje em dia impunemente chamam de música, acredite: é quase inevitável que seu artista favorito tenha sido influenciado, direta ou indiretamente, pelos Beatles.

O ponto é que estou chegando à conclusão (e desde já o incauto leitor se declara ciente que tenho o péssimo costume de chegar a conclusões absurdas), de que os grandes músicos e bandas produzem suas melhores e mais memoráveis obras nos primeiros anos de carreira e depois não conseguem mais chegar aos pés de si mesmos, a despeito da experiência, destreza técnica e recursos que acumulem ao longo da vida.

Refiro-me a artistas populares e não eruditos ou virtuoses, onde a perícia técnica é o mais importante. Faria ainda a mesma ressalva para a Literatura, já que exceto um raro talento precoce como Rimbaud, a escrita requer uma musculatura intelectual e um refinamento estilístico que somente a experiência proporciona.

Mas parece que no caso de músicos populares o tempo mais oxida que oxigena.

Analise a obra dos Beatles. O que eles foram capazes e produzir entre 1962 e 1970 jamais igualaram nos cinquenta anos seguintes, um período seis vezes maior. Ok, John Lennon criou “Imagine” e Paul McCartney emplacou uns quatro ou cinco hits simpáticos em quase meio século. Mas convenhamos, é muito pouco para quem, tão jovem, foi capaz de produzir canções que ainda hoje ecoam pelos ares, em versões originais ou repaginadas.

Esqueça agora os Beatles, vejamos outros artistas populares. E sem entrar no mérito do estilo ou da qualidade artística, que seria seara por demais pantanosa para eu chafurdar. Roberto Carlos, por exemplo. O homem foi uma fábrica de hits até o inicio dos anos oitenta e depois disso o que se viu foram quase quatro décadas do mais absoluto nada. Incompatível com a prolífica produção de seus primeiros anos. Um hit encomendado aqui, outro acolá, mas nada comparável aos seus anos de ouro. Poderia estender a lista indefinidamente: Chico Buarque, Oasis, Led Zeppellin, Caetano, Kid Abelha, Iron Maiden, Michael Jackson, Jorge Ben(jor), Pink Floyd, Rolling Stones, Milton Nascimento…

Talvez o U2 ainda consiga trazer algum frescor de tempos em tempos, e seja a exceção que confirma a regra.

Mas por que essa perda da capacidade de produzir sucessos marcantes?

Bom, como jamais emplaquei qualquer sucesso, nem deveria opinar, mas num exercício tão diletante quanto imprudente, arrisco algumas teses:

Primeiramente, acho que no começo da carreira o artista enfrenta mais dificuldades, passa mais perrengues, e a instabilidade parece ser um excelente combustível para a criatividade. Fama e glória costumam trazer um certo acomodamento ao artista, que assim não encontra um ambiente tão perturbadoramente fértil para sua produção. Como fazer uma genuína canção dor de cotovelo com todas as mulheres se acotovelando aos seus pés? Como destilar um rock visceralmente rebelde tomando champanhes que borbulham bolhas francesas e habitando hoteis cinco estrelas pelas capitais do mundo?

O rapper americano Kidi Cudi, que recentemente participou da edição brasileira do Lollapalooza, confidenciou numa entrevista a influência da adolescência conturbada na sua produção criativa: “Sou um sobrevivente. As coisas foram difíceis, mas tudo que é fácil não presta. Se eu chegar a um ponto em que me sinta muito confiante, minha música vai virar uma merda”.

Artista precisa de alguma dose de perturbação para poder romper a inércia da mesmice e criar algo memorável. E isso é muito mais difícil no altar de bajulação para o qual o estrelato catapulta seus escolhidos.

Outra possível causa é bem mais prosaica: a idade. Aos vinte anos você tem um software cerebral e uma carga hormonal muito diferente das décadas que se seguirão, e isso fará toda a diferença na atitude do artista, um ativo muito cultuado no mundo pop.

Alem disso, há a inevitável armadilha que o próprio sucesso embute: se o artista mantém a fórmula anterior é visto como acomodado, se reinventa a roda desagrada meio mundo.

O álbum que acabei de escutar parece se equilibrar com competência na corda bamba desses extremos. Ora buscando novos caminhos, ora atracando no velho porto seguro das belas melodias assobiáveis.

Um ótimo álbum, mas cujo esforço só faz evidenciar a irrepetível alquimia que um dia aqueles quatro moleques já foram capazes de produzir.

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