O jornal de papel e o papel do jornal

Jornais Não é novidade nenhuma que a internet tem provocado grandes revoluções e mudanças desde que se popularizou mundialmente. Matou antigos negócios e criou outros tantos. Fechou quase todas as lojas de discos do planeta Terra, talvez faça o mesmo com locadoras de vídeo tradicionais e vem sacudindo grandes jornais e revistas mundo afora.

E isso ocorre não por falta de demanda, já que nunca se produziu e consumiu tanta informação quanto agora. Mas sim por uma quebra de modelo. A internet disseminou a distribuição de informação em tempo real, democratizou sua produção e virtualmente zerou seu custo. Porque pagar por um jornal que trará amanhã as notícias que eu já li hoje cedo de graça?

A internet é fantástica. Consegue prover uma quantidade de informação monumental, a qualquer instante e ao custo de um clique, mas tem seus limites. Há muita informação em profundidade, mas a grande massa consome a superfície da superfície, sem um mínimo de visão crítica e densidade analítica.

Outro perigo da internet é um dos seus trunfos: sua “inteligência artificial”. Poderosos softwares conseguem gerar algoritmos matemáticos do nosso padrão de navegação, e assim nos direcionar conteúdos que mais se assemelhem ao que vimos, lemos ou curtimos em navegações passadas, de modo a alinhar o que vemos ao que aparentemente gostamos. O problema é que é intelectualmente saudável que periodicamente vejamos pontos de vista divergentes ou assuntos que a princípio não nos ‘interessam’. O consumo linear de pontos de vistas cada vez mais parecidos com os nossos pode nos dar o conforto do convívio virtual numa tribo homogênea, aumentando artificialmente os tijolos do muro sob o qual construímos nossas (subjetivas) certezas pétreas, algo parecido com um totalitarismo intelectual que em última instância pode dar vazão a extremismos e intolerância para aceitar as divergências típicas de uma sociedade democrática. Se você tem alguma familiaridade com redes sociais, vai entender o que estou dizendo.

Há sempre os catastrofistas de plantão, vaticinando a ‘burrificação’ do mundo por conta das novas tecnologias. Nem de longe me alinho a eles. Platão achava que o predomínio da linguagem escrita sobre a oralidade seria um perigo para a humanidade. Então é melhor prudência nesse histerismo afobado. A internet é uma ferramenta necessária para os novos tempos em que vivemos, rápidos, complexos e fragmentados.

Sou um ser híbrido. Adoro a conveniência tecnológica, a informação minuciosa em qualquer lugar (desde que conectado) e à distância de um clique, mas não abandono o prazer de ler meus jornais no recostar da poltrona. Tenho certeza que devo um pouco da minha massa cinzenta à medieval tinta preta que ao longo das últimas décadas ajudou a formar e moldar muito do pouco que sei. Eu não pago por notícias que já li ontem. Pago por análise, opinião, profundidade e principalmente pela “curadoria” de conteúdo dos bons profissionais que filtram no mar inavegável de informações caóticas e simultâneas aquilo que há de mais relevante, e colocam debaixo da minha porta todo dia ao custo de um café expresso.

Tenho certeza que os bons jornais vão se adaptar, no tempo certo, ao novo mundo que vivemos, e continuar sendo relevantes para as futuras gerações, seja em que formato ou plataforma for.

O jornal de papel pode até um dia desaparecer, mas o papel do bom jornal jamais acabará.

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