O Rock in Rio que eu não fui

Rock in Rio 1985

Estávamos às portas de uma grande ruptura política que transformaria decisivamente o Brasil. Um momento histórico singular. Perdêramos a votação das Diretas Já, mas já naquela semana o candidato Tancredo Neves ganharia contra Maluf a eleição (indireta) para Presidente da República, o que ocasionou não apenas o fim da Ditadura Militar mas também o início da era Sarney na Presidência. Nada é perfeito, bem sabemos.

Tudo isso era muito importante, mas nada disso me importava.

O verão fervia meus miolos em transe naquele longínquo 1985, e tudo o que eu queria era ir ao Rock in Rio. O Brasil não era destino das grandes atrações internacionais, e aquele festival era uma inédita e imperdível ocasião para curtir o que havia de melhor na cena pop-rock da época: Queen, AC/DC, Iron Maiden, Scorpions, Yes, Ozzy Osbourne, Rod Stewart, Nina Hagen, James Taylor, B-52’s, Whitesnake, além dos brazucas Paralamas, Blitz, Lulu Santos e Barão, só para citar alguns.

Trocaria qualquer coisa que eu não tinha, mulher, carro ou casa, para estar no meio daquela balbúrdia, mesmo sendo apenas uma pós-criança perdida no meio da multidão, me sujando na lama sagrada da Cidade do Rock, esgoelando como se amanhã não houvesse.

Mas estava de férias com meus pais numa casa alugada, mofenta e abafada, nas cercanias da praia de Massaguaçu, sem acesso a nenhum meio de comunicação, completamente ilhado, apenas com a dor juvenil de saber que não faria parte daquele momento histórico. Tinha que me contentar com as reportagens do jornal impresso, veiculadas sempre com 2 dias de atraso, já que a medieval TV 14 polegadas não sintonizava nada, nem com a ajuda do inútil Bombril.

O tempo passou e me arrependi de não ter fugido daquela espelunca praiana, de ter pego carona na estrada, nadado até a baía de Guanabara ou entrado na primeira nave extraterrestre com destino ao Rio. Se não me rebelasse aos 13 anos, quando o faria?

Talvez por essa culpa sorrateiramente introjetada, volta e meia me pego comprando ingressos para turnês de algumas das bandas daquele festival. Das que estão vivas, juntas ou em atividade.

Há uns 4 anos assisti a um show do B-52’s no Rio de Janeiro. Tava tudo lá, os velhos hits, o mesmo ritmo dançante, as mesmas indumentárias esdrúxulas de fazer vergonha à Lady Gaga. Mas admito que foi constrangedor ver aqueles coroas e suas respeitáveis barrigas dançando desajeitadamente no palco. Cadê as gostosas da capa do LP? Procon, meu dinheiro de volta, please !

Lembrei do relato de um conhecido, que recebeu todo animadinho a ligação de uma amiga da época de escola, a mais gostosa da turma, combinando uma reunião da ‘moçada’ para matarem saudades. E foi uma das maiores decepções da sua vida, porque a gatinha tinha virado um tribufu, irreconhecível em sua mistura bizarra de lipídios e laquê. Até que ele se olhou no espelho e lembrou que 30 anos atrás também não tinha aquela careca lustrosa, aquela pança protuberante e nem aqueles dentes amarelados. Barangaço! Ponderou que a Cris até que não estava tão mal assim.

Talvez eu vá nesse próximo Rock in Rio. Mas fico achando que vai ter muita balbúrdia, que serei um pré-velho no meio da multidão, e que pode ter muita lama, e lama, hoje eu sei, é repleta de bactérias e micróbios. Gostaria de esgoelar como se não houvesse amanhã, mas é complicado, quando se tem mulher, casa e prestação do carro pra pagar.

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Hoje eu sei que nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Nunca mais terei os mesmos 13 anos, os mesmos dentes branquinhos ou a mesma testosterona. Nunca mais vou ver Fredie Mercury cantando love of my life acompanhado por 100.000 pessoas. Nunca mais vou acreditar que é possível ser um astro do rock. Mas meu coração ainda pulsa em pentatônica e mesmo assim eu vou. Talvez o mundo ainda possa ser nosso outra vez.

Mas para mim o melhor Rock in Rio de todos os tempos será para sempre aquele desconfortavelmente alojado num canto empoeirado da minha memória desde 1985. Aquele que infelizmente eu não fui.

 

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