O silêncio da buzina

Buzina do ChacrinhaQuero te pegar no colo, te deitar no solo e te fazer mulher…

Enquanto o bigodudo Agepê canta em playback seu estrondoso sucesso, um rabo de bacalhau ganha os ares do auditório voando acima da cabeça de jurados e acertando em cheio uma das meninas da platéia.

Depois do bacalhau outros gêneros alimentícios se seguiriam ao plano de vôo do maestro Abelardo. Cenouras, pepinos, macaxeiras e berinjelas.

Alô meu filho. Quem vai querer a berinjela do Léo Jaime?

E lá se vai mais uma intrépida leguminosa voadora em direção à excitada platéia de cabelos armados e ombreiras extravagantes.

Luiz Caldas balança sua cabeleira e canta o quanto queria ser uma abelha para pousar na tua flor, enquanto a câmera passeia desavergonhadamente pelas curvas generosas da chacrete Aninha Toda Pura, em poses bastante desinibidas.

Cheguei meio que por acaso, 30 anos depois, a mais uma edição da Buzina do Chacrinha, e não pude deixar de ver. Era neon e naftalina demais para passar incólume pelas minhas nostálgicas retinas.

Os programas bons se enquadram em duas categorias bastante distintas: aqueles efetivamente bons e aqueles que de tão ruins viram cult e se tornam bons (como Chaves, por exemplo). Não importa em qual delas se enquadra a Buzina do Chacrinha. Foi uma grata surpresa trombar com essas reprises no canal Viva, após zapear sem sucesso por uma centena de canais, que exibiam de campeonatos de cupcake a documentários sobre o sexo dos mico leões dourados.

Eram outros tempos, outros corpos: mais cabelos, pelos e curvas. As mulheres tinham coxões e peitinhos. Os homens eram peludos e usavam macacões, coletes e ombreiras. E uma fuzarca cromática de estética bastante duvidosa: cores fluorescentes, listras, estampas, luzes de neon. Tudo muito exagerado e kistch, o que talvez fosse uma forma tardia de rebeldia contra o careta mundo verde oliva moldado na ditadura militar, que acabara de apagar a última luz.

No centro do palco, comandando a festa, o Mestre de cerimônias do grande circo, palhaço, animador e filósofo popular, o espalhafatoso e inimitável Chacrinha.

– Alô seu Inácio, faço o que eu digo, não faça o que eu faço!

– Alô Edu, vai tomar um suco de caju !

As seqüências musicais do programa eram absolutamente esquizofrênicas. Sidney Magal cantava Sandra Rosa Madalena, depois os Titãs faziam uma coreografia minimalista de Homem Primata, seguidos de Baby Consuelo com seu cabelo multicor, do grande Nelson Ned cantando seu brega romântico e finalizando com a turma do balão mágico disparando hits infantis. Não havia TV a cabo com seus canais segmentados e toda a família assistia aos mesmos programas, que tinham a ingrata missão de agradar a gregos e Corinthianos.

Mas talvez nada tenha mudado tanto quanto o politicamente correto. Um programa como aquele seria impensável hoje em dia. O velho guerreiro já estaria enjaulado numa prisão ou trucidado inapelavelmente pela patrulha do Facebook, que condena no mundo virtual aquilo que não pratica na vida real.

– Alô dona Raimunda, como vai a sua tia?

O velho era muito doido. Se o calouro desse uma desafinada ele simplesmente enfiava a buzina no meio da orelha do infeliz e o catapultava imediatamente para fora do palco. Fazia trocadilhos infames com os jurados. Tacava talco na cara das meninas da platéia. E soltava seus bordões que marcaram gerações:

– Alô Terezinha! Quem não se comunica se trumbica !

–  Na televisão nada se cria, tudo se copia.

– Eu vim para confundir e não para explicar.

O programa acaba e fico com aquele sensação nostálgica de um tempo em que as coisas eram toscas, mas cuja ingenuidade guardava uma autenticidade perdida, difícil de encontrar num mundo repleto de pose, programas artificiais e meticulosamente pensados para não errar.

– Roda, roda e avisa…

Enquanto a extravagante buzina dourada silencia, ecoam em minha mente os versos de uma canção que o Gilberto Gil fez no exílio sobre a saudade do Rio de Janeiro, e onde Chacrinha recebe mais espaço do que a cidade maravilhosa que se dispôs a homenagear:

Chacrinha continua
Balançando a pança
E buzinando a moça
E comandando a massa
E continua dando
As ordens no terreiro

Alô, alô, seu Chacrinha
Velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha
Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha
Velho palhaço
Alô, alô, Terezinha
Aquele Abraço!

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