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Os contos fantásticos de Jorge Luis Borges

Acabei de ler um livro curto de contos do argentino Jorge Luis Borges. Fazia tempo que não lia o autor e foi um deleite relê-lo.

No Brasil ele é mais conhecido por conta do poema “Instantes”, que diz mais ou menos assim:

“Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
(…) Viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,

Mas agora é tarde, tenho 85 anos e estou morrendo”

Portanto, muitos no Brasil não conhecem o Borges, porque esse poema nunca foi escrito por ele, e é mais um dos milhares de textos que circulam pela internet com autoria trocada, como aqueles que saem no nome do Arnaldo Jabor e da Clarice Lispector.

Borges foi um dos mais importantes expoentes da chamada literatura fantástica, aquela na qual as narrativas são baseadas em objetos, seres e fenômenos que não existem na vida real. Nesse tipo de literatura a âncora não está no chão, mas no céu, na infinitude da imaginação. Sonhos, delírios, labirintos indecifráveis. E esse universo fantástico não existe apenas como uma metáfora ou mera alegoria, eles são a essência dessa forma de escrever.

Jorge Luís Borges veio de uma família rica da Argentina e passou boa parte da juventude na Suíca, país que escolheu para viver seus últimos dias.

Já tinha alguma projeção regional, mas sua obra ganhou repercussão mundial nos anos 60, com o boom da literatura latino americana e o sucesso do colombiano Gabriel Garcia Marquez, autor do famoso “Cem anos de solidão”.

Borges foi um escritor muito inovador e criativo e eu queria destacar três características marcantes da sua obra.

A primeira é Repertório.

A coisa mais importante pra quem quiser ser criativo e ter boas ideias é ter repertório. Repertório é aquilo que você consome, os livros que você lê, os filmes que você assiste, e o mais importante de tudo: o que você consegue absorver da vida e do mundo.

A criatividade que sairá de você será sempre fruto da diversidade de repertório que antes ENTROU em você.

Borges aprendeu a ler e escrever muito cedo, com quatro anos de idade e diz a lenda que escreveu seu primeiro conto aos nove.

Ele foi um leitor voraz, o que foi facilitado por ter nascido num lar privilegiado, com pais eruditos que valorizavam a cultura e tinham uma generosa biblioteca em casa.

Borges disse uma vez numa entrevista: “se eu tivesse que escolher a coisa mais importante que houve na minha vida eu diria que foi a biblioteca do meu pai”.

Para ele uma biblioteca era um paraíso, a fonte maior de prazer, a origem de toda a imaginação e criatividade humana. Borges tinha muito repertório e é esse repertório que fez ele ser o que ele foi. Ele dizia assim:

“Eu não existo. Eu sou fruto de todos os livros que li, de todas as mulheres que amei, de todas as pessoas que conheci e de todas as cidades que visitei”.

A segunda característica foi a Cegueira.

Jorge Luis Borges nasceu com uma doença que lenta e progressivamente eliminava sua visão, até morrer praticamente cego aos 86 anos de idade. Sua cegueira foi um crepúsculo lento que durou mais de 50 anos. No final da vida, só enxergava parcialmente de uma das vistas e só distinguia o amarelo e alguns tons de azul e verde.

A cegueira tem uma grande influência na sua obra, não apenas figurativamente, na obsessão dele por labirintos e caminhos, mas sobretudo aumentando o protagonismo da imaginação nas suas obras.

Já observou que algumas pessoas quando querem degustar algum alimento fecham os olhos ou que os amantes sempre se beijam de olhos fechados?

Você “enxerga” melhor algumas coisas quando está de olhos fechados.

Olha que frase legal que ele dizia:

“Os cegos, assim como os poetas, conseguem ver no escuro”.

E a terceira e última característica que eu quero destacar é que Borges nunca escreveu um romance, toda sua obra foi de poemas e contos curtos.

A justificativa que ele dava era que, numa obra muito grande, em algum momento o autor vai ter que encher linguiça, ou rechear com partes que não tem a mesma densidade daquilo que é realmente essencial. E mesmo sendo um leitor voraz, ele dizia que preferia obras curtas e que leu poucos romances longos ao longo da vida.

Seus romances eram curtos no tamanho, mas filosoficamente densos e cheios de profundidade.

Portanto, leia os clássicos, incluindo o fantástico Borges. Eles não são clássicos por acaso.

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