Salada

salada– Batatas fritas grandes por apenas mais um real?

– Não obrigado. Vou querer salada.

Salada lada ada ada ada ada ada ada…

O som ecoou na cabeça até a ficha cair com o peso de um paralelepípedo.

Não sei se efeito do olhar incrédulo da atendente, da improvável escolha ou da contradição evidente de pedir salada para acompanhar um sanduíche de 80cm de altura e 18.700 calorias, fora o meio litro de Coca.

A conclusão era cristalina: estou ficando velho.

Fazia séculos que não almoçava os enormes hambúrgueres de borracha daquela famosa rede (não perdi nada, certamente, à parte a chance de morrer mais cedo) e quando o faço é para pedir salada?

Apenas um sinal a mais nos muitos que vêm se acumulando ao longo dos últimos anos, a maioria deles no doloroso exercício de enfrentamento do espelho.

Não faz muito tempo não consegui ler a data de validade de um iogurte e antes mesmo que terminasse meu revoltado libelo contra a indústria de alimentos, minha empregada leu a data com evidente facilidade. De lá para cá, tenho afastado cada mais vez os objetos para poder lê-los. Meus braços compridos têm permitido a postergação da visita fatal ao oftalmo, mas sei que logo terei que escolher a armadura que melhor combinará com minha testa repleta de dobras, feito a sanfona do Gonzagão.

Mas a epifania mais dura veio há bastante tempo, na madrugada bate estaca de uma danceteria. Por algum lampejo de lucidez que minha embriaguez foi capaz de divisar no meio da fumaça e do neon, percebi que era a alma mais velha de todo o recinto, incluindo na lista atendentes, leões de chácara, flanelinhas e o dono do local. A triste constatação nunca mais me abandonou.

Tudo certo, assim é a vida. Viver é indissociável de envelhecer. Meu filho de 2 anos também está envelhecendo.

Como não é possível parar a ampulheta do tempo, vamos fazendo o melhor que podemos. Trocando a batata pela salada, afastando o livro dos olhos e fingindo não perceber que somos o mais velho da festa.

Não é tão ruim assim. Fico, por crença ou muleta, com a frase do genial Millôr:

“Qualquer idiota consegue ser jovem. É preciso muito talento pra envelhecer.”

E pra ser sincero, não é que a salada estava bem melhor que o hambúrguer?

Comentários no Facebook