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Serendipidade

Toda língua tem suas peculiaridades, charmes e cascas de banana. E todas elas, a seu modo, acabam por dar cabo de todo universo simbólico que necessitamos para nos expressar e representar o mundo concreto e abstrato ao nosso redor. Escapam apenas as sutilezas, que diferentes línguas expressam com distintas soluções.

Dizem por exemplo que a palavra saudade é uma exclusividade da língua portuguesa, o que provavelmente é apenas uma meia verdade, já que a saudade é um sentimento universal e seria uma prepotência inominável acreditar que de todos os povos existentes no planeta e de todos os milhares de dialetos, inclusive os extintos, apenas nós, nobres descendentes lusófonos, tenhamos tido a sensibilidade etimológica de representar.

A língua inglesa tem uma palavra que eu admito que não sei muito bem qual seria sua correlata tupiniquim: serendipity, que expressa um tipo de descoberta que fazemos por casualidade, algo meio sem querer, normalmente quando estávamos na busca de outra coisa.

O Viagra por exemplo, foi descoberto por serendipidade, quando durante uma pesquisa de um remédio para angina cientistas descobriram que um dos efeitos colaterais da droga era deixar os participantes do estudo mais animadinhos

Aliás, acabei de descobrir que aportuguesaram uma tal de “serendipidade”, o que importa pouco, pois o objetivo deste texto é mais o sentido que ela expressa do que uma competição linguística de qual idioma cumpre melhor a captura das coisas do mundo.

Arrisco dizer que metade das paixões do mundo foram combinadas segundo critérios serendipísticos: um esbarrão numa festa, uma conversa aleatória numa fila de banco ou um acaso qualquer desses que a vida cotidianamente nos oferece em bandejas de prata mal polida.

Do mesmo modo, muitas das descobertas do mundo aconteceram segundo um roteiro não planejado, como a maçã cadente de Newton e a Eureca do Grego Arquimedes durante um banho de banheira.

Mas agora algoritmos inteligentes estão por toda parte e me dizem o que eu devo ler, assistir, comer e ouvir.

Só que os algoritmos, por serem inteligentes, tentam eliminar todo “ruído” do meu caminho, isso é, suprimir tudo aquilo que não seja mais do mesmo, tudo que não seja pertencente à família de coisas que ele assume que eu gosto, baseado no meu histórico de navegação. Então, se por qualquer razão eu andei navegando por ondas azuis, o algoritmo irá freneticamente me sugerir um turbilhão infindável de tons azuis até eu perder a consciência, feito um Smurf alcoólatra que mergulha num barril de licor de anis.

Vamos ser sinceros e admitir que essa ferramente esperta ajuda um bocado, reduzindo nosso leque de escolhas, que hoje está insanamente amplo, e sugerindo opções, na maior parte das vezes, realmente alinhadas com o nosso padrão pessoal de escolhas.

O problema é que isso mata a serendipidade. A supressão da aleatoriedade pode representar também a morte do coquetel de acasos que geram descobertas inusitadas, que surpreendem o paladar acostumado ao mesmo menu de sempre e impede que casais improváveis se apaixonem. A criatividade do mundo precisa de conexões implausíveis para que soluções realmente diferenciadas surjam.

E qual seria o modelo ideal?

Sugiro um modelo híbrido, em que uma parte de nossos estímulos possa ter a interface de aplicações inteligentes, mas preservando espaços e situações para que a aleatoriedade da vida possa cumprir seu papel e germinar árvores nos terrenos mais improváveis.

Porque a inteligência da vida é construída também na beleza imponderável do acaso.

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