Sofrência

pablo sofrencia porque homem não chora 2Às vezes acho que vivo numa bolha, protegido das modas que tomam de assalto o mundo real.

Só dia desses, pesquisando “músicas toscas” para uma palestra, tomei conhecimento da existência do Pablo, o Rei da Sofrência, neologismo óbvio criado a partir das palavras “sofrimento” e “carência”, que rotulam suas canções despudoradamente bregas. Tentei ouvir algumas e experimentei na pele e nos tímpanos todo o poder de sua sofrência:

Estou indo embora

Por favor não implora

Porque homem não chora…

 Tudo muito ruim. Ruim de doer. Mas bom pra sofrer. E deve ter muita gente sofrendo mesmo. Apenas essa música tinha 30 milhões de acessos.

Sofrência faz sucesso porque todo mundo que ama de alguma maneira, cedo ou tarde, acaba sofrendo.

Não é a toa que a origem da palavra ‘paixão’ vem do latim “passione”, que designa “sofrimento”, enquanto no grego sua origem está associada à “paschein”, que significa padecer, dando origem a Pathos e Patologia. Nesse sentido, a Paixão, com toda sua intensidade arrebatadora, era entendida pelos pensadores gregos não apenas como a manifestação de um desejo intenso, mas também como uma doença.

Compreensível, portanto, que tantos amantes digam frases como “te amo loucamente” ou “sou doido por você”.

Estudos neurológicos avançados têm demonstrado que a paixão ativa as mesmas áreas do cérebro relacionadas ao prazer intenso, num processo similar aos dos viciados em cocaína. Do mesmo modo, o afastamento do ser amado é capaz de provocar distúrbios biológicos comparáveis às crises de abstinência. Apesar de algumas substâncias relacionadas ao prazer aumentarem vertiginosamente, como a dopamina, outros neurotransmissores sofrem baixa aguda, como a serotonina, o que pode desencadear comportamentos obsessivos e compulsivos.

É evidente que, exceto os masoquistas, ninguém gosta de sofrer, mas vida sem sofrimento não existe. É possível inclusive que os ciclos de sofrimentos ajudem a moldar e fortalecer o nosso caráter.

Para o filósofo alemão Schopenhauer, o sofrimento seria a própria essência da vida e um importante construtor da nossa ética interna. Não estava sozinho. Diversas religiões há milênios pregam os efeitos edificantes do sofrimento, do budismo ao cristianismo, e não apenas o sofrimento amoroso, obviamente.

Há 2.500 anos o Estoicismo pregou a aniquilição das paixões e a resignação ante o imponderável e tudo aquilo que não podemos controlar. O sofrimento, entendido como uma dor da alma, deixa mais aguçada nossa sensibilidade espiritual.

Através do sofrimento é mais fácil se projetar no papel do outro, construir uma base moral mais sólida e apreciar com mais leveza a vida e os momentos felizes. Alguém que nunca experimentou a vertigem da queda não poderá usufruir a leveza redentora do renascimento.

Mas por que nos entregamos com tanta sofreguidão a tanta sofrência?

Em primeiro lugar porque não controlamos nossas emoções nem escolhemos por quem nos apaixonamos. Mas, sobretudo, porque apesar de todos os seus efeitos colaterais, amar costuma ser uma das experiências mais gratificantes que conseguimos experimentar. O mundo se torna mais colorido, os passarinhos cantam apenas para você, seus pés se descolam do chão, você levita e jura que é capaz de lamber as nuvens.

Tudo fica tão maravilhoso que até a música sofrenta do Pablo parece boa.

É porque o amor é cego, mas às vezes se faz de surdo também.

Comentários no Facebook